quinta-feira, 23 de julho de 2009

Memória da Ditadura

A instalação do regime que suspendeu a democracia brasileira por quase três décadas completou 45 anos e pouco se comentou.

Um canal de TV mostrou o Museu da Ditadura com vítimas descrevendo as torturas sofridas na polícia política paulista, então Dops, hoje sede do museu.

Apareceram caras novas como o Alipio Freire e a Rose Nogueira, ex-torturados indignados porque a Folha de S. Paulo publicou que tivemos uma "ditabranda" - uma ditadura muitissimo mais leve que no Chile, Argentina e Uruguai. O filho do metalúrgico Seixas descreveu de novo as torturas que recebeu ainda menino lá no prédio, e lembrou a morte do pai a pauladas numa das celas.

Não se quer lembrar o passado recente, não se viu nenhuma reflexão sobre essa tragédia brasileira. Nossa memória pode esquecer a violência perpetrada a partir de 64.

A brutalidade produz a paralisação coletiva 45 anos depois. Ou é o povo que não sabe o que é Democracia?

A familia Goulart teve que fazer em Montevidéu um ato para lembrar o aniversário de 45 anos da deposição do presidente eleito Jango.

O fantasma da ditadura terrorista ainda tem o poder de determinar aos vivos a memória permitida. Também não é para menos. Os principais colaboradores do regime militar estão por toda a máquina do estado.

A ironia é aquele delegado, ex-diretor da polícia política paulista, por vários anos supervisor da tortura aplicada nas celas do hoje museu.

Foi reeleito deputado federal. O Congresso tem vários colaboradores daquele regime, eleitos na democracia atual.
Não é a toa que um ministro daquele tempo declarou recentemente que os militares ajudaram a aperfeiçoar a democracia brasileira (?).

Já se disse que estamos perdendo a memória cotidiana do período. Perdemos para o novo oficialismo que reconta seletivamente a nossa história contemporânea.

Os responsáveis pelas instituições da ditadura que cometeram os crimes se recusam a revelar a verdade sobre o que ocorreu no passado. Eles ajudaram a montar um estado policial que durou 21 anos, durante os quais mais de 300 mil brasileiros foram fichados como inimigos da pátria.

Para a ditadura não houve crimes mas ações legais contra a luta armada promovida por um grupo com ideologia comunista.

Essa idéia moveu alguns militares, tendo à frente o comandante militar do Leste, a celebrar em ato festivo no Clube Militar do Rio os 45 anos do golpe. Como parte da festa inauguraram placas com nomes de colegas mortos na luta contra a guerrilha urbana.

O ministro da Defesa condenou o ato, mas lembrou que vivemos na Democracia e todos podem falar, até os equivocados. "Do meu ponto de vista isso é questão do passado", disse em Maceió.

Uma vítima da ditadura, hoje psicóloga, explicou: os agentes do regime que morreram estavam a serviço de um Estado que cometeu crimes de lesa humanidade.

Estima-se em 426 o total de brasileiros mortos e desaparecidos por perseguição política e em mais de dois mil os torturados.

A luta dos democratas agora é contra a tática de esquecimento dos aliados da ditadura, de políticos e de importantes segmentos da sociedade. Tenta-se impedir a reconstituição da tragédia que se abateu sobre este país na segunda metade do século passado. Cabe à História revelar a verdade.