sexta-feira, 30 de abril de 2010

Revanche da Verdade?

Revanche

S. f. Gal.
2. O turno ou a vez de quem recobra qualquer posição perdida
(Dicionário do Aurélio)


Essa palavra era usada pelos militares nos
primeiros anos da transição democrática
para barrar as críticas
à "obra revolucionária" de seus 21 anos no poder.

Reconstruir o passado, expor à luz da história
os fatos desagradáveis do período,
eram e são qualificados como revanche, vingança.

"O que move homens e mulheres em todo o mundo

nesta luta para que a memória dos
crimes dos fascistas não desapareça
na bruma do tempo, para que o
grito dos assassinados, mutilados, torturados,
não seja abafado, é o poder de lembrança,
para que a chaga totalitária não ressurja".

Livro conta como foi o massacre da mulher brasileira durante a ditadura

“Direito à Memória e à Verdade” conta a história de 45 mulheres assassinadas e desaparecidas durante a ditadura de 1964-1985.

Foi lançado na PUC em São Paulo seis dias antes do aniversário de 46 anos do golpe de 31 de março de 1964.

Esse é o terceiro volume da série, originada a partir do relatório Direito à Memória e à Verdade.

Relatos de 27 sobreviventes de diferentes organizações de resistência à ditadura, armadas ou não fazem parte da história.

Algumas estavam grávidas, outras amamentavam, todas foram torturadas e, não raro, estupradas.

Na apresentação, o ministro dos Direitos Humanos Paulo Vannuchi faz uma previsão:

"Pode mudar opiniões de quem ainda resiste à elucidação profunda de todos esses episódios como passo necessário a uma reconciliação nacional”.

Em seguida, a ministra de Política para Mulheres, Nilcéa Freire, defende ampla apuração da verdade:

“A superação dos fantasmas que ainda assombram nossa história recente exige confrontá-los. Para exorcizá-los, será preciso retirá-los dos lugares onde estão escondidos, nomeá-los, olhá-los nos olhos e compreender os mecanismos que os permitem surgir”.

As mortas e desaparecidas são divididas em três grupos: de 1964 a 1974, incluindo o período agudo da repressão; de 1974 a 1985, já no processo classificado de “distensão”; e a Guerrilha do Araguaia, no final da década de 1960 e início da de 1970, na região do rio Araguaia.

Todas são acompanhadas de fotos mostrando rostos jovens, alguns quase infantis, como o de Aurora Maria Nascimento Furtado (1946-1972), que estudava Psicologia na USP e militava na UNE (União Nacional dos Estudantes) e na ALN (Ação Libertadora Nacional).

Conforme o livro, “Aurora foi submetida a pau de arara, choques elétricos, espancamentos, afogamentos e queimaduras, além da “coroa de Cristo”, fita de aço que vai sendo apertada aos poucos e esmaga o crânio.

Morreu no dia seguinte”.

Seu corpo, porém, foi encontrado no subúrbio do Rio crivado de balas.

Entre os depoimentos de sobreviventes, há o de Damaris Lucena, que hoje vive em S. Paulo.

Era feirante e militante da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária). Foi presa quando seu marido morreu a tiros à queima-roupa em 1970.

“Minha boca ficou toda inchada, cheia de dentes quebrados (…). Minha vagina ficou toda arrebentada por causa dos choques. Meu útero e minha bexiga ficaram para fora. Eu tive de fazer operação em Cuba, levei 90 pontos e estou viva por milagre”, relata.

O livro é mais um esforço para apuração e divulgação da verdadeira história da repressão política na ditadura, enquanto o governo expande a procura de restos mortais de desaparecidos para além da região do Araguaia.

Dia Internacional da Mulher Anistiada

15 mulheres foram declaradas anistiadas políticas e
receberam desculpas do governo brasileiro.

O Dia Internacional da Mulher 2010 teve significado

diferente para 15 mulheres que tiveram seus processos
de anistiadas julgados na sessão especial
da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.

A sessão foi marcada por emoções fortes, lembranças das torturas, dos estupros e do terror sofrido pelas mulheres.

“Ser anistiada lavou a minha alma”, disse Celeste Fon, ao receber a sentença. Funcionária concursada do Banespa, ela foi presa junto com o pai e o irmão no final dos anos 60. Na empresa foi perseguida, vigiada pelo regime, impedida de ter contato com outras colegas do banco, mesmo após a anistia de 1979.

Maria Alice Albuquerque Saboya também foi anistiada. Antes da proclamação, ela leu e entregou à Comissão de Anistia uma carta endereçada aos jovens, contando o que passou nos anos de ditadura e no exílio.

Maria Alice foi presa aos 20 anos, junto com o marido, acusada de contribuir para formação de um partido político contrário ao regime. Foi torturada e viu colegas sendo torturados.

“É muito pior ver tortura que ser torturada. Tenho gravada em minha memória a vez de um prisioneiro que pedia: ‘Pelo amor de Deus, me matem’”, disse Maria Alice.

Ela divulgou uma carta aos jovens pedindo para que eles lutem em defesa do Plano Nacional de Direitos Humanos, proposta do governo que prevê a criação da Comissão da Verdade para apurar os crimes cometidos pelo Estado durante a ditadura.

“Essa história não é minha, essa história não é nossa. É a história de um país que precisa ser contada para que aprendamos com ela”, afirmou.

Para a psicóloga fluminense Vitória Lúcia Martins Pamplona, sua anistia significou “uma vitória simbólica de todas as mulheres”.

“Que não se repita jamais o que aconteceu conosco durante a repressão”, disse Vitória, que foi demitida da Infraero, presa e torturada na década de 70.

Além de Vitória, Celeste e Maria Alice, mais 12 mulheres foram declaradas anistiadas políticas e receberam desculpas do governo brasileiro.

Esta foi a terceira vez que a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça homenageou as mulheres no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher.

Também tiveram seus direitos de anistiadas reconhecidos pelo Estado:

Ana Lima Carmo Montenegro,
Celeste Fon,
Maria Cândida Raizer Cardinalli Perez,
Isa Mariano Macedo,
Maria Beatriz de Albuquerque David,
Maria da Glória Lung,
Denise Fraenkel Kose,
Vera Lúcia Marão Sandroni,
Elizabel Maria da Paixão Couto,
Vera Lucia Carneiro Vital Brazil,
Vitória Lúcia Martins Pamplona Monteiro,
Maria Inêz da Silva,
Maria Albertina Gomes Bernaccio, e
Helena Sumiko Hirata.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Bastidores da Marcha da Familia Paulistana

Mais de um milhão de pessoas * foram às ruas centrais de São Paulo no dia 19 de março de 1964, uma quinta-feira, para se manifestar contra o avanço do comunismo no Brasil.

Era a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, um misto de passeata e procissão catolica.

19 de março é dia de São José, padroeiro da família. A massa saiu naquela quinta-feira às quatro da tarde da praça da República e chegou duas horas depois à Catedral Metropolitana, na praça da Sé.

Faixas, cartazes e palavras de ordem alertavam para o perigo comunista:

"Vermelho bom, só o batom",
"Verde, amarelo, sem foice nem martelo"**


A inspiração vinha do movimento Rosário em Família do padre Peyton contra as "manobras vermelhas".
Setores conservadores indignados com as "reformas de base" anunciadas na sexta-feira 13 pelo presidente João Goulart no comício da Central, no Rio, conseguiram fazer uma manifestação ainda maior seis dias depois.

A organização reuniu entidades femininas e religiosos católicos. O deputado Antônio Sílvio da Cunha Bueno, o publicitário José Carlos Pereira de Sousa e a freira Ana de Lourdes, sobrinha de Rui Barbosa, bolaram o formato de marcha-procissão.

Treze dias após a passeata paulista veio o golpe militar de 1964. As marchas da família, que se repetiram em Santos, no Rio e em várias cidades passaram a se chamar "marchas da vitória". A marcha do Rio, em 2 de abril, reuniu 1 milhão de pessoas *.

A mobilização serviu para a definição de Revolução explicada no Ato Institucional número 1.

Esse primeiro ato institucional "legalizou" a coisa toda e teve como redator principal Francisco Campos com ajuda de Pedro Aleixo. Diz o preâmbulo

É indispensável fixar o conceito do movimento civil e militar que acaba de abrir ao Brasil uma nova perspectiva sobre o seu futuro.

O que houve e continuará a haver neste momento, não só no espírito e no comportamento das classes armadas, como na opinião pública nacional, é uma autêntica revolução.
(...)
A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte. Este se manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical do Poder Constituinte.
(...)
Os chefes da revolução vitoriosa, graças à ação das Forças Armadas e ao apoio inequívoco da Nação, representam o Povo e em seu nome exercem o Poder Constituinte de que o Povo é o único titular.

Ainda muito pouco estudadas, estas Marchas abalaram a coesão do dispositivo
militar do governo constitucional, garantiram uma base social sólida para a instalação da ditadura. E deram ao golpe de estado o caráter de movimento civil e militar.

* Estimativa dos organizadores e da imprensa da época
* * Palavras de ordem feitas pelo poeta Guilherme de Almeida para o evento



Livro de Ouro

A organização do movimento “Marcha da Família”
publicou um Livro de Ouro. Seguem os nomes
dos homenageados, na ordem em que são citados:

Leonor Mendes de Barros
Irmã Ana de Lurdes
José Carlos Pereira de Sousa
Cunha Bueno
André de Faria Pereira Filho
Sebastiana de Almeida Prado
Julio de Mesquita Filho
Assis Chateaubriand
Salvio de Almeida Prado
Rosita Pedutti Nogueira
General Agostinho Teixeira Côrtes
Edy Cunha Bueno
Herbert Levy
Laudo Natel
João do Amaral Neto
Conceição da Costa Neves
Maurício Loureiro Gama
Joaquim Procópio de Araújo
Eduardo de Souza Queiroz
Rafael de Sousa Noschese
José Lemos
José Carlos Wagner
Mildred Lemos
Hipólito Silva
Eduardo de Sousa Queiroz
General Ary Mota de Azevedo
José Lemos
Geraldo dos Santos
Murilo de Sousa Reis
Com. Penido Burnier
Roberto de Abreu Sodré
Com. Rui Teixeira Mendes
Gaspar Camargo
Magaly Whittle
Margareth Beeby
Nisa Figueiredo
Helena Aguiar
Anna Soares Pinto
Grace Ulhoa Cintra
Regina Silveira
Guiomar Ulhoa Cintra
Acyr Guisard
Dora Silvia Cunha Bueno
Ademir Ramos
André de Faria Pereira Filho
Francisco Villela
Odete Villela
Marcos Villela
Sergio Villela
Juvenal Sayon
Frei Celso de São Paulo
João Paladino
Eduardo da Silva Cardoso
José Teles dos Santos
Adolfo Pizzarro
João Rosa
Luís Pereira da Silva
Estela Andraus
Rabino Fritz Pinkuss
Guilherme de Almeida
Otávio Mamede Jr.
Gabriel Pinheiro da Cruz
Carlos Alberto Morais Guerra
Caio Cobra
Beatriz Whately Thompson
Oscar Thompson Filho
Ricardina C. Fonseca
Caio Pompeu de Toledo
Maria Cecília Raposo Ferreira
Luis Fernando Ferreira
Rubens Matta de Sousa Campos Filho
Renato Ribeiro
Alberto Malta de Sosa Campos
Pedro Luís Carvalho de Campos
Antonio Carlos Ferreira
Senador Padre Calazans
Cyro Albuquerque
Bernardes de Oliveira
Augusto Inácio Bravo
Mauro Garcia
Luiz Emanuel Bianchi
Carlos Engel
Auro Soares de Moura Andrade
Helase Ferraz de Camargo
Amália Ruth Schmit de Oliveira
Maria Pacheco Chaves
Waldemar Ferreira
Arnaldo Cerdeira
João Batista Leopoldo de Figueiredo
Armando Corrêa de Siqueira
Dulce Sales da Cunha Bueno
Maria Isaltina de Almeida Prado
Paulo Lacerda Quartim Barbosa
Theodoro Quartim Barbosa
Maria Mesquita da Motta e Sllva
Vera Prado
Elda Marques Ferreira da Silva
Diva Castro
Nize Sampaio
Sônia Gardenberg
Mons. Manuel Pestana
Maria Paula Caetano da Silva
Márcia Guimarães Malta
Rubens de Moura Leite
Guilherme de Almeida
Antonio Feliciano
José Nunes
Frei Henrique Maria de Pirassununga
Ilza Figueiredo
Regina Passos Silveira
Márcia Guimarães Malta
Marina de Nioac
Everardo de Magalhães
Amélia Bastos

O Livro de Ouro traz também os nomes das entidades
que aderiram ao movimento. O texto é o que segue:

Entidades democráticas de São Paulo
que aderiram à
Marcha da Família
com Deus pela Liberdade

Ação Brasileira de Cultura Democrática
Ala Paulista de Luta-Anti-Tuberculose
Aliança Democrática Brasileira
Aliança Eleitoral pela Família
Assistência Social “Dm Leonor Mendes de Barros”
Associação dos Advogados Democratas
Associação Brasileira dos Criadores de Bovinos
Associação Casa do Pequeno Trabalhador
Associação Cívica Feminina
Associação Colmeia
Associação Colsan
Associação de Combate ao Câncer
Associação Comercial de São Paulo
Associaçao Cristã de Moços
Associação Cruz Azul
Associação Cruz Verde
Associação das Damas de Caridade de São Vicente de Paula, SP
Associação das Enfermeiras do Hospital das Clínicas
Associação dos Estudantes Democratas
Associação de Estudos Pedagógicos e Sociais
Associação das Famílias Rotarianas de São Paulo
Associação Paulista de Assistência aos Doentes de Lepra
Associação Paulista dos Ex-Dirigentes Universitários
Associação Paulista de Propaganda
Associação Santa Teresinha
Associação Santo Agostinho
Associação das Senhoras Evangélicas
Associação dos Sorotimistas
Associação dos Veteranos de 1932 – MMDC
Bandeira Paulista Contra a Tuberculose
Bolsa de Mercadorias de São Paulo
Campanha de Educação Cívica
Centro Acadêmico Pereira Barreto
Centro Cívico de Cultura Política da Lapa
Centro do Comércio de Varegistas de Gêneros Aimentícios de
São Paulo
Centro de Defesa Democrática
Centro Democrático das Domésticas do Jardim Pasulista
Centro Democrático dos Engenheiros
Centro Democrático dos Engenheiros Agrônomos de S. Paulo
Centro José Bonifácio
Círculo Operário Casa Verde
Círculo Operário CEDO – Lareira
Círclo Operário Central
Círculo Operário dos Empregados Domésticos do Itaim (Bibi)
Círculo Operário Dos Empregados Domésticos do Jardim Europa
Círculo Operário dos Empregados Domésticos do Jardim Paulistano
Círculo Operário de Ermelindo Matarazzo
Círculo Operário de guiaiauna
Círculo Operário do Ipiranga
Círculo Operário de Jaboticabal
Círculo Operário da Moóca
Círculo Operário Nossa Senhora dos Remédios
Círculo Operário de Osasco
Círculo Operário da Penha
Círculo Operário de Pinheiros
Círculo Operário de Santo Amaro
Círculo Operário de Tatuapé
Círculo Operário de Vila Ema
Círculo Operário de Vila Formosa
Círculo Operário de Vila Guilhermina
Círculo Operário Vila Hamburguesa
Círculo Operário de Vila Prudente
Círculo Operário Santana
Club dos Lojistas de São Paulo
Commonwealth Relações Públicas
Confederação das Famílias Cristãs
Convivios – Sociedade Brasileira de Cultura
Cruz Vermelha Brasileira – Seção de São Paulo
Federação das Associações de Pais e Mestres
Federação das Associações Rurais do Estado de S. Paulo
Federação dos Círculos Operários de São Paulo
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
Fraterna Amizade Cristã Urbana e Rural – FACUR
Frente Anti-Comunista
Frente Estudantil do Estado de São Paulo
Grupo de Ação Católica
Grupo de Ação Patriótica
Instituto de Debates e Ação Social – IDÉAS
Instituto de Formação Social – Curso de Liderança Sindical
Instituti de Pesquisas e Estatística Social – IPÊS
Instituto Universal do Livro
LAREIRA – Instituto a Serviço da Família
Legião Brasileira Anti-Comunista – LBAC
Liga da Ação Democrática
Liga Cristã Contra o Comunismo
Liga das Enfermeiras de São Paulo
Liga das Enfermeiras Voluntárias
Liga da Independência Democrática
Liga Independente pela Liberdade
Liga Operário Católica Feminina
Liga Operária Feminina
Liga do Professorado Católico
Liga do Professorado Paulista
Liga das Senhoras Católicas de São Paulo
Liga das Senhoras Católicas
Movimento de Arregimentação dos Estudantes Democráticos – MAED
Movimento de Arregimentação Feminina – MAF
Movimento Cívico Evangélico
Movimento Estudantil Democrático – MED
Movimento Estudantil de São Paulo
Movimento Presbiteriano Jardim das Oliveiras
Movimento de Resistência Acadêmica
Movimento Sindical Democrático
Oficinas de Caridade Santa Rita
Partido de Representação Acadêmica
Rede Feminina da Associação Paulista de Combate ao Câncer
Rede Independente Democrática
Sociedade Rural Brasileira
Uniião Cívica Feminina
União Democrática e Assistencial – UNIDAS


União Independente Democrática

Jarbas Passarinho acusa Geisel de genocídio

O tenente-coronel Jarbas Passarinho fez parte da cúpula do poder durante a Ditadura Militar (1964/1985). Foi ministro do Trabalho e Previdência Social no governo Costa e Silva; ministro da Educação, no governo Emílio Garrastazu Médici e ministro da Previdência Social no mandato do general João Figueiredo.

Militante da ARENA (depois PDS), partido de sustentação do regime autoritário, ocupou cargos como de governador do Pará e de Senador.

Aos 90 anos, até hoje defende a Ditadura justificando a perseguição política, as prisões arbitrárias e a ação violenta dos órgãos de repressão.

Como a penitenciar-se com a proximidade do fim de sua vida terrena este mesmo Passarinho, faz a expiação de sua cumplicidade nos crimes cometidos pelo regime militar em entrevista concedida a Maria Inês Nassif e Paula Simas, e publicada no Valor, no caderno Fim de Semana, pág. 4.

Trechos da entrevista, postada no site Conversaafiada em abril de 2010:

"Eliminar fisicamente adversários seria uma decisão estrita de um presidente da República, segundo Passarinho. Ele reconhece que essa decisão foi tomada no fim do Governo Médici … Mas acha que, no caso de Geisel, as mortes e os desaparecimentos foram mais numerosos e menos justificáveis."

" … o Massacre da Lapa (chacina que, em 1976, praticamente dizimou o comitê central do PCdoB). Quem fez isso ? E quem matou o Comitê Central do Partidão? Não foi o Médici, não. Isso foi uma política de Estado? É lógico que foi!
"Uma ordem para não fazer prisioneiros só podia vir do presidente da República, de mais ninguém."

" … no Governo Geisel houve uma política de Estado de extermínio dos adversários quando os militares já haviam feito, na gestão anterior, a limpeza da guerrilha urbana, que era o que efetivamente ameaçava o regime militar.

" … a guerrilha do Araguaia (1969-1975, do PCdoB) foi utilizada
como pretexto para continuar o regime autoritário. Era um movimento inexpressivo. … (n)uma área cercada, que poderia resultar até na morte por fome dos guerrilheiros … era um grupo de 60 pessoas completamente isolado …"


A Persistência da Memória

Hoje é segunda-feira 31 de março de 2014, temos um dia lindo de sol e calor de fim de verão.

Em 31 de março de 1964, uma terça-feira de 50 anos atrás, o Brasil teve suspensa a liberdade e começou o período mais trágico e sanguinário de toda a sua história, tirando a escravidão dos africanos.

Por 21 anos seguidos, cidadãos foram presos, espancados, torturados e assassinados. Mulher grávida, criança, idoso, não se poupava ninguém na busca dos "criminosos de idéias" - todos os democratas que eram contra o regime militar.

Nesse meio século que passou, nunca se viu tanta análise, tanta investigação científica nas universidades para explicar os fatos políticos, sociais e econômicos de um período, mas toda a produção acadêmica mofa nas prateleiras das bibliotecas e o povo desconhece o que aconteceu naquele tempo.

Só uma pequena elite intelectual troca figurinha entre si e escreve mais uma tese para promoção na carreira. A interpretação da nossa história contemporânea é quase obra de ficção, só entendida pelos entendidos.

É um pacto pelo silêncio do equívoco que se alonga por várias décadas. Vamos a um exemplo. Diz-se que os criminosos da ditadura também foram anistiados.

Essa conversa do governo e dos políticos de que os torturadores foram anistiados é enganosa porque cada um dos anistiados teve o nome publicado no Diário Oficial. Uns foram anistiados quatro, cinco vezes porque tinham quatro ou cinco processos. O perseguido político que não tinha processo não foi anistiado.

E também torturador nenhum foi anistiado. Não saiu o nome dos torturadores em nenhum Diário Oficial afirmando que eles foram anistiados..

Nas ruas está a triste realidade. É preciso explicar às pessoas o que aconteceu décadas atrás, mas esse passado distante não desperta mais interesse.

Que fazer? Deixar as teses científicas e as memórias publicadas e por publicar mofarem nas prateleiras das bibliotecas. E torcer para que as cabeças totalitárias não saiam da penumbra até que tudo seja explicado.

Excerto do livro Historinhas do Brazil, disponível, na íntegra, no End:
Historinhasdobrazil.blogspot.com

Radiografia do Terrorismo no Brasil

Radiografia do Terrorismo no Brasil 66/80
Autor - Flavio Deckes


Prefácio - Dalmo de Abreu Dallari

" 'A história é mestra da vida, senhora dos tempos, luz da verdade'. Essas belas palavras de Cícero contém um ensinamento e uma grave advertência. Elas nos dizem que aqueles que prestarem atenção aos ensinamentos da História aprenderão lições de vida que iluminarão o caminho que leva à verdade.

"Mas também advertem que a história é demolidora implacável dos belos e gloriosos tapumes que ocultam a realidade dos hipócritas, dos oportunistas dos que sem esforço transacionam com princípios e se adaptam a novas circunstâncias à busca de satisfação de seus interesses e de suas ambições.

"Esse livro é um testemunho da história. Pesquisando em livros e jornais, valendo-se de sua memória e de sua experiência, o autor reuniu dados que, no seu conjunto, darão às gerações futuras um retrato, cruel mas verdadeiro, do que foi o Brasil dos militares, senhores do dinheiro, tecnocratas e políticos oportunistas e corruptos que ocuparam o primeiro plano da vida brasileira a partir de 1964.

"Detendo-se em alguns episódios marcantes desse trágico período o autor vai às minúcias de uma análise microscópica, assinalando nomes e fatos para a memória dos tempos.

"É provável que alguns, de boa ou de má fé, considerem inoportuna a publicação deste livro, por reabrir feridas aparentemente já cicatrizadas, por alimentar desconfianças e malquerenças, por sugerir vinganças.

"Deve-se reconhecer que, na realidade, alguns dos que participaram de episódios aqui relatados foram envolvidos pela mentira insidiosa ou pela distorsão terrificante que preparam o terreno para o golpe de 1964.

"Outros dirão que só desejaram o início e que não lhe teriam dado apoio se soubessem o que viria depois. E há também os que se converteram à democracia e ao humanismo quando souberam das brutalidades e imoralidades de toda sorte que se praticavam sob o pretexto de salvar o Brasil, dar segurança ao povo e promover o desenvolvimento econômico.

"Na realidade, porém, este livro não é um panfleto revanchista, como fica evidenciado pela serenidade, pelo comedimento e pela prudência do autor, perceptíveis em todos os capítulos.

"Por outro lado, é importante que as gerações futuras saibam que muitos brasileiros, como "aprendizes de feiticeiro", ajudaram a criar uma verdadeira máquina de terror, que fugiu ao seu controle e produziu milhões de vítimas, a maior das quais foi o próprio Brasil.

"Mas, além disso, é importante registrar para a história o comportamento de pessoas sem escrúpulos, sem barreiras éticas, sem respeito pela pessoa humana, que tudo aceitaram e tudo permitiram ou fizeram por ambição ou por intolerância.

"Muitos dos autores das façanhas terroristas relatadas neste livro ainda continuam por aí, às vezes até ocupando posições sociais e políticas de realce. Outros continuam ainda agindo dentro das instituições que lhes deram cobertura e recursos para a prática de crimes, o que se verifica especialmente quanto a policiais e militares, participantes dos ironicamente chamados "organismos de segurança".

"Alguns já escaparam pelos caminhos da aposentadoria ou da morte e já não constituem ameaça, mas é importante que fique estabelecida a verdade histórica do que foram e do que fizeram.
E há os que ainda permanecem na sombra e que talvez algum dia também sejam mostrados à luz da verdade para o julgamento da história.

"Este livro é uma contribuição importante para a historiografia brasileira e uma advertência para as gerações futuras. Com clareza, objetividade e responsabilidade o autor transmite aos seus leitores sua mensagem que é de paz, lembrando, através dos fatos, que a violência, o arbítrio, a intolerância política, a acomodação perante as injustiças impedem a construção de uma sociedade justa e a conquista da paz".

Carlos Lacerda, de aliado a inimigo

Carlos Lacerda seria o nome natural se os militares escolhessem um civil para a presidência da República.
Ele foi de grande valia na conspiração.

Mas os 107 generais do "colégio eleitoral" do Exército no Conselho de Segurança Nacional queriam continuar no poder escolhendo um de seus pares.

As liberdades democráticas eram inadequadas para a realidade brasileira.

Sete meses após o golpe, no qual foi um personagem chave no governo do Rio, Lacerda formalizava o rompimento com os militares em discurso pela TV, na qualidade de chefe civil da oposição revolucionária.

A 9 de outubro era proibido pelo Conselho de Segurança Nacional de falar em rádio e TV.

Inconformado com os rumos "do movimento", em 67 Lacerda articulava com o próprio arqui- inimigo João Goulart o Pacto de Montevidéu, o mesmo que já firmara em novembro de 66 com o ex-presidente Juscelino em Lisboa.

No programa mínimo da chamada Frente Ampla estava uma Constituição democrática com a harmonia e independência dos poderes, a pluralidade partidária, o direito de greve e eleição direta para presidente da República.

A Frente Ampla foi proibida pelo ministério da Justiça em 5 de abril de 68 e Lacerda ameaçado com o AI 2 (que já tinha expirado...) se não se calasse.

A atividade política ficava assim proibida até a quem não teve os direitos políticos suspensos e por um decreto que não vigorava mais.

Em palestras pelo País em recintos fechados, Lacerda fazia também a defesa da Anistia e denunciava a política econômica adotada por Castelo Branco e Costa e Silva como antinacional.

A 13 de dezembro de 68 Lacerda era atingido pelo AI 5 e perdia os direitos políticos por 10 anos, só que ele morreu antes de recuperá-los.

Verbete

Carlos Frederico Werneck de Lacerda, (1914-77), jornalista e político, nasceu em Vassouras, Rio de Janeiro, a 30 de abril de 1914, e faleceu a 21 de maio de 77.
Fundou e dirigiu o jornal Tribuna da Imprensa, de oposição ao governo Getúlio Vargas. Ligado ao Partido Comunista na juventude. Deputado federal (55) e líder da oposição ao governo Juscelino Kubitschek (59), foi um dos líderes da União Democrática Nacional - UDN.
Governou o então estado da Guanabara (1960-65) e apoiou o golpe militar, rompendo depois. Liderou a "Frente Ampla", que procurou unir os opositores ao regime militar. Obrigado a se afastar da política, dedicou-se à sua Editora Nova Fronteira.

A Constituição Militar de 1967

Constituição Militar
de 67, 'discutida'
e promulgada em 43 dias...

A 24 de novembro de 66 os partidos foram extintos e instalou-se o bipartidarismo com a Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB).

Treze dias após a extinção dos partidos, a Constituição Militar começou a tomar forma
com o Ato Institucional 4. Dizia o preâmbulo:

...ao atual Congresso Nacional, que fez a legislação ordinária da Revolução, deve caber também a elaboração da lei constitucional do movimento de 31 de março de 64...

O "Congresso Constituinte" "era convocado" a se reunir de 12 de dezembro de 66 a 24 de janeiro de 67 para discutir, votar e promulgar, em 43 dias, o projeto apresentado pelo executivo! Os prazos foram cumpridos.

A Carta consolidava e ampliava os dispositivos dos atos institucionais e introduzia emendas à Constituição de 46 desfigurando-a.

As aberrações jurídicas em cada ponto do texto provocaram protestos generalizados, engrossados até por parlamentares aliados.

Exército joga sujo com as Forças Armadas, acusa a Marinha

Sucessão de Costa e Silva

Em manifesto, um almirante apontou que a sucessão estava na verdade sendo decidida por um “colégio eleitoral” de 107 generais do Exército.

“As tropas eram mantidas à distância pelo semi-segredo da operação à custa de decisões tomadas em reuniões secretas da cúpula de uma Arma”, dizia o documento assinado pelo almirante Melo Batista.

O manifesto lançado a 2 de outubro de 69 também fez um diagnóstico da situação do país após cinco anos de administração militar. Trecho do documento apontando que havia:

- situação econômico-financeira preocupante, agravada por uma política distorcida, que tornava a União cada vez mais rica e o povo cada vez mais pobre

- a descapitalização da iniciativa privada, com número crescente de falências, concordatas, protestos, transferência de controle acionário de indústrias básicas para grupos estrangeios

- o empobrecimento alarmante da agricultura e do povo a ela ligado

- a amargura nos meios operários, submetidos a um custo de vida muito superior em elevação ao aumento de salários

- o processo de pré-guerra revolucionária que encontrava receptividade no seio da população

- a insatisfação nos meios estudantis, apenas contida no momento pela prisão ou exílio dos líderes

- a eliminação dos quadros políticos e das lideranças populares, não apenas pelo imperativo do processo revolucionário, mas simplesmente para facilitar o controle estadual por parte de determinados grupos

- a desmoralização e marginalização proposital dos políticos, de forma a entregar o governo da nação exclusivamente aos militares.

Marinha Ganha Espaço

O documento do almirante provocou a edição de um ato institucional para sua punição.

O AI 17 de 14 de outubro de 69 permitia transferir para a reserva militares que, embora com serviços prestados, atentassem "contra a coesão das Forças Armadas".

Atingido pela primeira aplicação do AI 17, Melo Batista foi transferido para a reserva pelo período de um ano.

Mas o protesto deu frutos e o vice de Medici na presidência seria o Almirante Augusto Rademacker, representando a Marinha...

A preparação do clima para o AI 5

22 Atentados de
extrema direita
antecedem
o AI 5 em 1968

São Paulo, Rio, Alagoas, Pernambuco e Rio Grande do Sul tiveram alvos no semestre em que o regime fechou o Congresso e ampliou a perseguição política.

Em S. Paulo a 18 de julho atores da peça Roda Viva de Chico Buarque foram espancados e o teatro Galpão depredado pela sigla CCC.

A 2 e 3 de outubro o prédio da Faculdade de Filosofia da USP era destruído a bombas e um estudante morreu a tiro. No dia 5 sequestraram a atriz Norma Benguel e a levaram a um quartel do Exército no Rio de Janeiro.

Lá, bomba dera prejuízo à Associação Brasileira de Imprensa em julho e em outubro à editora Civilização Brasileira.

Em Porto Alegre, mais atores de Roda Viva foram sequestrados em outubro.

A 12 de dezembro a Câmara dos Deputados não dá licença para processar Marcio Moreira Alves por ofensa às Forças Armadas.

No dia seguinte o Conselho de Segurança Nacional baixa o AI 5, fecha o Congresso e aprofunda a repressão.


O clima para o AI 5 foi preparado.
E os estudantes escolhidos
como alvo tático para acirrar
os ânimos e justificar
mais repressão.


O ministro Gama e Silva, autor do texto, explicava que a guerra revolucionária e seus atos de subversão (eram de extrema direita..) cresciam cada vez mais.

Com o texto do AI 5 nas mãos há tempos, Gama e Silva preparou o clima para justificar mais repressão. Os estudantes foram escolhidos como alvo tático. A equipe do CCC inspirada por ele em S. Paulo tinha alunos de Direito da Universidade Mackenzie, radicais de direita da USP e policiais.

Como ministro da Justiça, Gama e Silva notabilizou-se por trazer sempre à mão o rascunho de um elenco de medidas de endurecimento da repressão política, o que acabou vingando em 13 de dezembro de 68 com a edição do Ato Institucional 5, que vigorou até 79.

A 18 de dezembro de 68 o ministro da Fazenda Delfim Neto declarava à imprensa que o AI 5 permitiria "tomar as medidas necessárias no sentido de reduzir o déficit do Tesouro e conter o processo inflacionário".

E Costa e Silva completava no dia seguinte, na Escola Superior de Guerra, que o governo teria com o AI 5 melhores condições para executar seu programa econômico.

Ou seja, mais repressão
era bem vinda e esperada...

Igreja de Libertação

A renovação proposta por João XXIII no Vaticano * coincidiu com a instalação do regime militar no Brasil. A ordem era deixar o rosário um pouco de lado e lutar por justiça social através da Teologia da Libertação.

Foi a resposta da Igreja Católica ao desafio representado pelos pobres, oprimidos, excluídos e marginalizados de toda a América Latina. Essa política foi discutida no Concílio Vaticano II (durou de 62 a 65) e colocada em prática no final da década.

A Teologia da Libertação propõe a conscientização, organização e libertação político-social, econômica e cultural de todos os submetidos a qualquer forma de opressão. Tenta unir o político à reflexão teológica fazendo da fé a dimensão pela qual se filtram as questões sociais.

Depois de se servirem do rosário e das passeatas
inspiradas em procissões católicas para manipular
a opinião pública em favor do golpe,
“nossos militares” tinham um mico nas mãos.

A reação veio violenta. A 27 de maio de 69 foi encontrado estraçalhado num matagal o corpo do padre Henrique, jovem discípulo do Arcebispo de Olinda e Recife D. Hélder Câmara, inimigo intocável e seguidor da Teologia da Libertação.

O próximo será Dom Adriano Hipólito, bispo de Nova Iguaçu, acusado de comunista por acolher perseguidos políticos: sequestrado, torturado e deixado nu pintado de vermelho no meio da rua a 22 de setembro de 76.

"Nossos militares" descontentes com a nova orientação da Igreja Católica lançavam bombas e pichavam a catedral de Nova Iguaçu (20/12/79).

A 4 de julho de 80 foi a vez de S. Paulo conhecer a fúria contra a bandeira dos direitos humanos empunhada pelos católicos. Nesse dia seria sequestrado e torturado o dr. Dalmo Dallari que faria uma saudação ao Papa João Paulo II em visita ao Brasil.

Vamos mostrar porque o regime ficou tão violento com a Igreja Católica brasileira.

A Teologia da Libertação analisa a divisão do poder econômico, político, ideológico e militar num mundo que exclui grande parte de seus habitantes.

Acusa de perverso um sistema que se sustenta pela degradação da qualidade de vida, opondo-se à lei fundamental do cristianismo: o amor e a solidariedade.

Crendo que o desafio moderno é formar uma consciência mundial, a teologia da libertação faz valer os direitos civis de favelados, desempregados, moradores da periferia, negros, operários, sem-terra, presos, índios, mulheres e organizações sindicais ou comunitárias.

Ou seja, era tudo o que os nossos generais da banda não queriam para o Brasil e para os brasileiros.

* João XXIII convocou o Concílio, morreu pouco antes da primeira sessão e foi sucedido por Paulo VI.

D. Helder Câmara, a Luz da Verdade

Fundou a CNBB e foi seu secretário-geral por 12 anos.

Era o maior inimigo da administração militar.

Proibido de falar aqui, fazia conferências no exterior denunciando a prática de tortura a presos políticos e as carências da população.

Sua coragem o tornou símbolo de resistência e em 1972 foi indicado ao Nobel da Paz.

Teoria do Terror

No gráfico de registro de atentados de extrema direita nota-se atividade regular e intensa no período 79/80, distribuída praticamente mês a mês, frequência nunca antes registrada

O descontentamento desafiador da ditadura clandestina com a administração Figueiredo e sua Lei da Anistia salta aos olhos.

Após oito meses de atentados quase mensais, os radicais das Forças Armadas decidiram também afrontar o Papa João Paulo II em visita ao Brasil.

Sequestraram e torturaram o dr. Dalmo Dallari (4/7/80), expoente católico de defesa dos direitos humanos, que faria a saudação ao pontífice na cerimônia pública de S. Paulo.

E marcaram para 27 de agosto, no Rio de Janeiro, o protesto mais violento, com carta bomba para a OAB. O corpo da secretaria Lida Monteiro ficou despedaçado.

O próximo protesto seria no centro de convenções Riocentro. O desfecho trágico daquele atentado calou e convenceu os descontentes a aderirem ao que observadores chamam de Teoria do Autoritarismo. Os atentados cessaram de vez no Brasil.

A Teoria do Autoritarismo propõe a saída honrosa de cena e a transmissão do poder aos civis "sob condições".

A primeira delas: negar que houve ditadura. Os excessos seriam esquecidos e se daria a conciliação das Forças Armadas com o povo brasileiro.

Postos chave na máquina do "estado de direito" foram prometidos aos "colegas das bombas", assim como aos seus aliados civis como garantia.

Antes mesmo da nova Constituição, como parte do plano, o Congresso militar já havia removido o chamado "entulho autoritário", aprovando um pacote de medidas que revogava disposições que limitavam os direitos políticos.

Pelo plano, o presidente civil seria indicado pelo colégio eleitoral dos militares e ainda não pelo voto popular - o que de fato ocorreu com a escolha de Tancredo Neves-José Sarney.


Assim legitimado, o regime se caracterizava não como uma ditadura militar mas como um "governo autoritário".

A volta da inflação, o caos no setor público, a dívida externa gigante (cresceu quatro vezes de 74 a 77), a escandalosa concentração da renda nacional e as graves violações aos direitos humanos durante a perseguição política (426 desaparecidos, mais de dois mil torturados...) seriam deixados de lado em troca da liberdade!

E a memória brasileira está atrelada ao novo oficialismo que reconta seletivamente a nossa história contemporânea.

E a ditadura terrorista tem até hoje o poder de determinar aos vivos a memória permitida.

Desfile Militar

Foram mais de duas décadas de desfile militar e os generais da banda somaram cinco – um cearense, três gaúchos e um carioca.

Cinco ditadores e estão todos mortos.

Nenhum despertava aquela simpatia, aquele carinho do povo nas ruas, como apelidos jocosos ou piadinhas. Todos sabiam que isso dava cadeia, quem era contra até desaparecia - dizia-se nas ruas.

Mas à boca pequena se comentava que o cearense era apaixonado por uma escritora comunista, um gaúcho era viciado em corrida de cavalo e carteado (a mulher dele se vestia com o Dener), outro gostava de futebol e violência, o terceiro era protestante, e só deixava a mulher cortar suas unhas. Finalmente o carioca preferia o cheiro de cavalo ao do povo, não cansando de pedir para esquecê-lo...


Cinco personalidades selecionadas a dedo pelo "Conselho de Segurança Nacional" para governar o Brasil. A escolha de cada um era uma comédia. A imprensa cobria todo o processo - era o notíciário na falta de eleições populares.

Os articulistas políticos dos grandes jornais competiam para ver quem estava melhor informado nos bastidores do poder. Castelinho no JB e Carlos Chagas no Estadão não deixavam de dar palpites sobre "os mais cotados".

Era eletrizante. As biografias de todos os candidatos era transcrita do Almanaque do Exército.

Esse era o noticário político. Passados quase 50 anos da instalação do regime fica a pergunta: por que a coisa durou tanto; por que o povo não sabe do legado deixado - um país à beira da falência, com mais problemas do que quando foi tomado pelos generais da banda? Por que essa aversão pelo voto popular da democracia?

Uma vez só, em 60 anos (1930/90), o voto popular escolheu um presidente civil que passou o cargo a outro (Juscelino/Janio) ...

Só há um jeito de mudar essa situação - a participação ativa do povo no seu próprio processo histórico, com o conhecimento do passado para tirar lições dele.

Diretas Já

Diretas Já era o nome do movimento que exigia eleição direta para presidente durante o processo de abertura política nos anos 80.

A constituição militar previa a escolha indireta do presidente que sucederia Figueiredo mas a opinião pública queria reformá-la. Para isso precisava-se de 2/3 dos votos no Congresso.

Em 84 o deputado Dante de Oliveira apresentou a emenda das diretas com manifestações populares de apoio em vários estados exigindo a aprovação.

O Congresso da ditadura rejeitou a emenda e a eleição foi indireta, ainda pelo "colégio eleitoral militar".

Indiretas Já seria o nome apropriado para o movimento conduzido por Ulisses Guimarães e que mobilizou a sociedade.

É que os pensadores da Escola Superior de Guerra haviam elaborado a Teoria do Autoritarismo e tudo estava em marcha.

A Teoria do Autoritarismo previa a saída honrosa dos militares de cena e a transmissão do poder aos civis "sob condições".

A primeira delas: negar que houve ditadura. Os excessos seriam esquecidos e se daria a conciliação das Forças Armadas com o povo brasileiro.

Antes mesmo da nova Constituição livre e soberana de 88, como parte do plano, o Congresso já havia removido o chamado "entulho autoritário", aprovando um pacote de medidas que revogava disposições que limitavam os direitos políticos.

Pela Teoria do Autoritarismo, o presidente civil seria indicado pelo colégio eleitoral dos militares e ainda não pelo voto popular - o que de fato ocorreu com a escolha de Tancredo Neves-José Sarney.

Assim legitimado, o regime se caracterizava não como uma ditadura militar mas como um "governo autoritário".

A Farsa da Transição para a Democracia

Com o fim dos atos institucionais surgiu uma nova estrutura partidária

A Arena dos militares mudou o nome para Partido Democrático Social, PDS.

O MDB assumiu o nome de Partido do Movimento Democrático Brasileiro, PMDB, abrigando democratas cristãos, liberais de várias nuances, social-democratas e outros.

As tendências mais marcantes da esquerda sairam do MDB para formar o PT, cujo eixo central era de sindicalistas de base (dos metalúrgicos do ABC paulista, bancários, petroleiros e setores desenvolvidos na resistência à ditadura).

Leonel Brizola perdeu a sigla PTB getulista para Ivete Vargas numa manobra da ditadura e criou o PDT, onde desenvolveu o seu projeto junto a setores nacionalistas tradicionais.

O quadro partidário da transição para a Democracia ficou assim: PDS, PMDB, PTB, PDT, PT.

A primeira campanha de envergadura dessas siglas foi participar do jogo para eleição indireta do primeiro presidente civil desde 64.

A exceção foi o PT que se recusou a participar como ator da encenação cujo roteiro era a Teoria do Autoritarismo da Escola Superior de Guerra. O PT acusou que o colégio eleitoral era um meio ilegítimo de eleição que violava a vontade popular.

Duas chapas concorreram para a sucessão do general Figueiredo.

O partido do governo, PDS, escolheu Paulo Maluf, que derrotou o indicado de Figueiredo Mario Andreazza praticando as velhas técnicas do clientelismo e da corrupção.

O malufismo foi repudiado pelo vice presidente da República Aureliano Chaves antes da votação no colégio eleitoral.

Ele, o presidente do PDS José Sarney e outros políticos decidiram apoiar a oposição e fundaram o Partido da Frente Liberal, PFL.

O PFL fez acordo com o PMDB, batizado Aliança Democrática, uma frente de partidos que governaria o pais na transição democrática.


Tancredo


Velhos políticos do regime militar passaram à oposição usando o antimalufismo como desculpa para se proclamarem "liberais" e "democratas", acompanhando Aureliano Chaves, José Sarney, Antonio Carlos Magalhães e outros.

Vários deles entraram diretamente no PMDB, engrossando sua ala moderada.
O candidato da Aliança foi Tancredo Neves, então governador de Minas, político moderado, ex-primeiro-ministro de João Goulart no curto regime parlamentar antes da instalação da ditadura.

A Aliança Democrática apresentou a chapa formada por Tancredo Neves para presidente e o recém-saído do PDS, José Sarney para vice.

Tancredo Neves participara discretamente na mobilização pelas diretas. Seu "realismo" e a tradição de político conciliador o deixaram à margem de uma campanha para ele impraticável, pela dificuldade em obter 2/3 dos votos no Congresso para alterar a Constituição, como queria o movimento Diretas Já.

O colégio eleitoral deu ampla vitória à chapa Tancredo-Sarney.

Na véspera da posse Tancredo caiu doente e o seu estado de saúde se agravava a cada dia. Fez-se a polêmica sobre quem deveria assumir o cargo: Ulysses Guimarães como presidente da Câmara ou Sarney. A dúvida: Sarney era vice de um presidente não empossado.

Após breve polêmica, José Sarney tomava posse,
algumas semanas após deixar a direção do partido
do regime militar e como
candidato da Oposição no lugar de Tancredo...


O clima de renovação da cerimônia desapareceu. A 21 de abril de 85 Tancredo morreu.

Dois anos bastaram para o povo se desencantar com o governo Sarney e com o rumo assumido pela transição política da ditadura para a Democracia.
.
(...ou seja, mudou tudo
para não mudar quase nada... )

Anexo Educação

A UNE em Chamas

A União Nacional dos Estudantes era toda festa no dia 30 de março de 64, quando inaugurava seu teatro na sede da praia do Flamengo, no Rio.

Na madrugada de 1 de abril, o prédio inteiro ardia em chamas, imprestável. E o país mergulhava nas trevas do golpe militar.

Tamanho ódio da extrema direita se explica em parte pelo sucesso do Centro Popular de Cultura, o CPC, orgão cultural da entidade.

É preciso produzir conscientização em massa, em escala industrial. Só assim é possível fazer frente ao poder econômico que produz alienação em massa.

No começo do CPC estavam Oduvaldo Vianna Filho (autor do pensamento acima), Leon Hirzman, Carlos Estevan Martins (seu primeiro diretor) e depois Carlos Diegues e Ferreira Gullar.

Dois textos básicos explicavam a proposta: A Questão da Cultura Popular (onde se define a "arte popular revolucionária"), de Carlos Estevam e A cultura posta em questão, de Ferreira Gullar.

O grupo encenou cerca de 20 peças teatrais, em cinema fez um filme e um documentário, e montou diversos shows de música popular.

Verbetes
Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha (acima), é um dos maiores teatrólogos de sua geração e do teatro brasileiro.
Morreu aos 38 anos de câncer e no leito ditou para a mãe os diálogos finais de Rasga Coração, um de seus maiores sucessos.
Foi considerado também um renovador da TV criando o programa
A Grande Família Sua trajetória é parecida com a de Gianfrancesco Guarnieri: Teatro Paulista de Estudantes (55) e Teatro de Arena. No Rio foi um dos fundadores do Centro Popular de Cultura, o CPC da UNE.

Ferreira Gullar, poeta e crítico de arte maranhense de S. Luís, onde nasceu a 10/9/30. Incansável na procura da sua verdadeira poesia e estilo. Em 54 lança Luta Corporal, ícone da poesia brasileira.
Participa do movimento concreto paulista e em 59 funda o neoconcretismo. Em 61 ocupa-se da cultura popular com Romances de Cordel. Morou por anos no exílio e voltou em 77.
"Minha poesia nasce do real e do comum das coisas banais, da luz suja e verdadeira que há nas coisas e nas pessoas", diz o poeta. Poema Sujo (76) é outro marco de sua obra. A Teoria do Não Objeto (59) é ensaio de leitura obrigatória.

Moral e Civismo Militar

A Junta Militar que assumiu após o afastamento de Costa e Silva por doença baixou o Decreto Lei 869 ordenando que a disciplina Educação Moral e Cívica fosse obrigatória no ensino do país em todos os graus.

O conteúdo da nova matéria escolar foi elaborado pela Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra, com assessoria da TFP.

Teria oito finalidades

1. A defesa do princípio democrático, através da preservação do espírito religioso, da dignidade da pessoa humana e do amor à liberdade com responsabilidade, sob a inspiração de Deus

2. A preservação, o fortalecimento e a projeção dos valores espirituais e éticos da nacionalidade

3. O fortalecimento da unidade nacional e do sentimento de solidariedade humana

4. O culto à Pátria, aos seus símbolos, tradições, instituições, e os grandes vultos de sua história

5. O aprimoramento do caráter, com apoio na moral, na dedicação à família e à comunidade

6. A compreensão dos direitos e deveres dos brasileiros e o conhecimento da organização socio-política-e-econômica do País

7. O preparo do cidadão para o exercício das atividades cívicas, com fundamento na moral, no patriotismo e na ação construtiva visando ao bem comum

8. O culto da obediência à lei, da fidelidade ao trabalho e da integração na comunidade

A disciplina foi ministrada do curso primário ao superior e até na pós-graduação. No ensino superior a farsa levou o nome de Estudo dos Problemas Brasileiros.

Ou seja, era a fusão perfeita do pensamento reacionário, do catolicismo conservador e da Doutrina da Segurança Nacional da Escola Superior de Guerra.

Em 73, o ministro da Educação coronel Jarbas Passarinho homologou o Compêndio de Instrução Moral e Cívismo, de
Plínio Salgado, fundador da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), e deu a pista da inspiração ao conteúdo...


MOBRAL

Movimento Brasileiro de Alfabetização

"Em 1960 surgiram as primeiras iniciativas de educação popular, voltadas também para a população adulta como o Movimento de Educação Popular, cuja proposta foi adotada por inúmeros países da América Latina e da África, e o Movimento de Educação de Base, iniciativa da CNBB.
A educação de adultos é uma questão fundamental para um país com altos índices de analfabetismo,
como é o caso do Brasil.
Discutida intensamente como uma questão de ação política pelo Movimento de Cultura Popular no início da década de 60(liderado pelo pedagogo pernambucano Paulo Freire), a nova metodologia foi maquiada pelo regime militar na década de 70 e ganhou dimensões igualmente gigantescas e alienantes no chamado Mobral, cujo grande feito foi ensinar os analfabetos a assinarem o próprio nome."
(Enciclopédia Encarta Microsoft, 1999)


Ensino Superior

Retalhado pelos gangster da educação


Era intensa a procura pelo ensino superior nos anos 60 e a administração militar encontrou a saída na privatização, já que decidira frear o investimento na escola pública e gratuita.

Abrir uma faculdade virou da noite para o dia um excelente negócio no início da década de 70 e deu espaço para verdadeiros gangsters do ensino explorarem esse "mercado".

A grande dificuldade era achar bons professores que se sujeitassem a trabalhar assim, nesse comércio de secos e molhados educacionais.

O Conselho Federal de Educação facilitava criminosamente a concessão de licença para funcionamento e credenciamento de cursos sem as mínimas condições.

Na cidade de S. Paulo encontramos alguns exemplos da distorsão verificada nesse campo. Um deles é a Faculdade São Marcos.

As antigas instalações de um seminário abandonado no distante bairro do Ipiranga abrigaram precariamente no início do negócio uma faculdade.

Com o grande lucro obtido e a proteção no período militar a "empresa" foi ampliando e diversificando os cursos oferecidos, incorporou imóveis vizinhos, construiu prédio e é hoje uma das universidades privadas paulistanas.

No Rio de Janeiro a Universidade Gama Filho tem história idêntica.

O governo militar recebia bem esse crescimento das escolas particulares pois ficava desobrigado de manter o ensino público e gratuito.

Com o subsídio oficial algumas "empresas" construíram autênticos campus verticais em prédios luxuosos. Quanto à qualidade do ensino... bem... sabe como é...faltam bons mestres e alunos com melhor nível...

As matrículas no ensino superior público eram de 75 por cento do total em 1964 e de 25 por cento dez anos depois com a multiplicação das faculdades particulares.

A conta desse descalabro com o ensino superior seria paga pelos "formandos". O mercado sabia muito bem da deficiência de um profissional formado nessas condições e dava preferência aos diplomas das faculdades e universidades tradicionais.

Conclusão - os jovens pagavam as caras mensalidades por cursos que não valeriam nada no futuro.


O Decreto Lei 477

- Era como estar numa cela na prisão. Só podia comer e dormir, e decorar o que o professor falou sem mudar nada, a gente devia praticar a autocensura 24 horas.

É assim a lembrança de um estudante, eu mesmo, o dono do blog, no tempo do 477.

O clima de apatia e desespero durou 10 anos na escola secundária e na universidade brasileiras. O decreto-lei 477 travou os caminhos de todo jovem que estudava então.

Tudo o que era normal o estudante fazer essa lei não deixava: desenvolver o senso crítico, reunião, troca de idéias, presença em manifestações públicas, não podia nada disso.

O estudo sério na sala de aula não interessava, só se podia repetir o que o professor falou, mesmo que fosse absurdo e injusto, ou não se passava de ano nem se tirava o diploma.

O 477 definia como crime na escola pública e particular "aliciar, incitar ou participar de movimento que tenha a finalidade de paralisar a atividade escolar, participar de passeatas, desfiles ou comícios não autorizados, imprimir, guardar, fazer ou distribuir material "subversivo" de qualquer natureza.

A pena para o estudante era de expulsão e proibição de matrícula em qualquer escola por três anos.

A punição com demissão também valia para funcionário, professor ou diretor, ficando impedidos de trabalhar em outra escola por cinco anos.

A apuração do "crime" era sumária e o acusado tinha 48 horas para defesa. Quem dirigia tudo era a DSi (Divisão de Segurança e Informação) do MEC, através de funcionário indicado pela escola.

Se o diretor do colégio ou reitor da universidade não concluísse a investigação 48 horas depois de recebida a denúncia, também era enquadrado nas penalidades do decreto, com demissão e proibição de lecionar se fosse professor.

Pela perfeição e requinte do mal, percebe-se o dedo do criador do AI 5 Gama e Silva na redação do 477.

Como ministro da Justiça de Costa e Silva, o professor Gama e Silva notabilizou-se por trazer sempre à mão o rascunho de um elenco de medidas de endurecimento da repressão política, o que acabou vingando em 13 de dezembro de 68 com a edição do Ato Institucional n 5.

( Costa e Silva disse ao general Olímpio Mourão Filho que quase teve ânsia de vômito ao ler a primeira versão do AI 5 de Gama e Silva, segundo o historiador Ronaldo Costa Couto)

A aberração do decreto 477 só foi revogada pelo Congresso em 79. Não se sabe quantos a "lei" alcançou. Para facilitar a aplicação, universidades introduziram as normas no próprio estatuto, como foi o caso da UNB.